Tuesday, February 26, 2013

1600 KM DE INTERLAGOS DE 1965: DIA DE GORDINI

 

A guerra entre a Federação Paulista de Automobilismo e o Automóvel Clube estava de vento em popa, em março de 1965, e foi a principal causa de um hiato de 6 meses de corridas em Interlagos. Sem dúvida essa foi a razão do bom público dos 1600 Km, com a renda de Cr$8.672.000 superando os prêmios, Cr$5.150.000. Foram vendidos 6042 ingressos individuais, e 454 para carros.

Mas o ACESP tentou embargar a prova, que seria organizada pela Associação dos Volantes de Competição, através de uma liminar. A prova só foi salva por que um major, Sylvio de Magalhães Padilha, na época presidente do Conselho Regional de Desportos, decidira que a prova ocorreria, com ou sem mandado de segurança. Cabe lembrar que nessa época os militares cantavam mais alto do que o judiciário...

Pois 40 carros foram inscritos, e 32 apareceram para a corrida de 200 voltas, no circuito completo de Interlagos. Entre os inscritos, as três equipes de fábrica, Willys, Simca e Vemag. Como a prova era para carros de turismo, preparo livre, nada de Abarths, Malzonis e Interlagos/Alpines. A Willys teve que inscrever carreteras Gordini com motor R8 de 1100 cc, a Simca veio com Tufões e a Vemag com Belcars e carreteras, inclusive a estréia, não muito auspiciosa, da famosa Mickey Mouse com Chiquinho Lameirão/Marinho.

Em tese, as fábricas teriam muito trabalho, pois correriam com carros inferiores contra as melhores carreteras da época, que nessa época ainda eram bem cotadas. Estavam inscritos Camilo Cristófaro, com a sua famosa Corvette 18 fazendo dupla com Aguinaldo de Góes, Caetano Damiani, Nelson Marcilio, Zé Peixinho, os Valente, e o grande gaúcho Catharino Andreatta, além do conterrâneo Breno Fornari com uma carretera Simca.

Como outsiders, a Alfa da Jolly, além de diversos independentes com Simcas, DKWs e Renaults.
A largada fora marcada para as 22 horas, e previa-se pelo menos 14 horas de corrida. Na largada estilo Le Mans, Afonso Giaffone Jr. foi o mais rápido, seguido de Marivaldo Fernandes, defendendo as cores da Simca, Jayme Silva e Camilo. Luis Pereira Bueno, com Gordini, saiu por último pois o carrinho não pegou.



Já na primeira volta, Jayme Silva liderava, seguido de Norman Casari (DKW), Catharino Andreatta (carretera), Camilo (carretera), Wilson Fittipaldi Jr. (Gordini) e Damiani (carretera). Jayme e Camilo brigaram muito nas primeiras voltas, e o último conseguiu passar Jayme na quarta volta, ali permanecendo até a sétima. Camilo teve que fazer um pitstop nessa volta, mas recuperou-se, e na 30a. volta já ocupava a liderança mais uma vez, ali ficando até a 50a. volta. Os Gordinis da fábrica que até então faziam uma boa corrida, mas longe da liderança, começaram a melhorar de rendimento, e quando uma intensa neblina caiu sobre a pista de Interlagos, ninguém mais segurou os Gordinis.

Na metade da corrida, Wilsinho liderava com um Gordini, seguido do outro exemplar da fábrica, pilotado por Luis Pereira Bueno e Jose Carlos Pace. Os leves carrinhos davam aos seus pilotos maior confiança no grande fog que se abatera sobre a pista paulistana, permitindo fazer as curvas bem mais rápido do que os carros de maior porte. As carreteras, difíceis de controlar nas curvas mesmo em condições climáticas ideiais e durante o dia, tinham que ser pilotadas com muito cuidado, o mesmo ocorrendo com os Simcas. Jayme, que seguia os Gordini, acabou abandonando a corrida na 102a. volta, e Lolli, com o Simca 44, saiu da disputa na 139a. volta. Alguns concorrentes faziam lerdas voltas de até 10 minutos, ao passo que os Gordinis ponteiros faziam tempos de pouco mais de 4 minutos. Além de ter que lidar com o nevoeiro, Camilo teve muitos problemas mecânicos com a sua carretera, assim distanciando-se cada vez mais da dupla da Willys.

Ao amanhecer, somente 14 carros continuavam na pista, com os dois Gordinis na ponta, Luisinho e Pace na frente, seguido de Bird e Wilsinho, seguidos da carretera de Camilo, e um outro Gordini em 4o. com Rodolfo Olival Costa e Carol Figueiredo. Esse foi um dia dos Gordini mesmo, pois em 6o. e 7o. dois outros exemplares do carrinho (na realidade, em 6o. um 1093), precedendo a carretera de Damiani, auxiliado pelo jovem Eduardo Celidonio, a melhor Simca, de Walter Hahn/Zoroastro Avon, as carreteras de Nelson Marcilio e Breno Fornari, e por último, três DKWs sobreviventes, do pitoresco Bruno Barracano, na frente de Norman Casari/Anisio Campos, com 54 voltas de atraso, e Valdomiro Pieski/Charles Marzanasco, 65 voltas atrás.

Essa foi, sem dúvida, a vitória de maior expressão dos Gordini, abrindo a interessante temporada de 1965.

Curioso notar que 1600 km são aproximadamente Mil Milhas...

Os 500 km de Interlagos de 1973

 

No ano de 1972 a tradicional prova 500 km de Interlagos vivera o seu melhor momento da história: um grid internacional, com velozes carros esporte de qualidade, tanto de equipes européias como brasileiras. O espetáculo não teria rerun, pois os protótipos estrangeiros haviam sido proibidos de correr nas corridas locais do Brasil em 1973, e foi impossível trazer um grid de carros estrangeiros.
Além de ter sido uma prova de gabarito, os 500 km acabaram sendo a única grande prova de “longa duração” do ano, exceto pelas 12 Horas de Tarumã no Rio Grande do Sul. (Houve também a prova 3 Horas de Interlagos, para carros de Divisão 4, que quase termina em retumbante fracasso, com um número pequeno de classificados). Nosso automobilismo passara de uma dieta de grandes e longas provas, para uma dieta quase exclusiva de corridas curtas, em forma de baterias. O público, tão acostumado com as longas corridas, sentira falta.

Ocorre que simplesmente não havia mais carros adaptados para as provas longas em condições de correr. A grande maioria dos Divisão 4 não conseguiria passar de duas horas de corrida, os Divisão 3 eram muito preparados para as provas longas, e a Fórmula-Ford... nem precisa dizer. A tentativa de tornar os 500 km uma corrida de Fórmula Vê não fora muito bem sucedida.

Entra em cena a Divisão 1: categoria de carros de turismo com pouca preparação, pneus radiais, de baixo custo, resistentes e de relativa baixa manutenção. Com essa categoria, viabilizavam-se novamente as corridas de longa duração.

A primeira prova da categoria foi as 25 Horas de Interlagos de 1973, que foi um sucesso, entre outras coisas devido à grande briga entre os Maverick e Opalas. O grid cheio trouxe de volta diversos ases do volante que andavam um pouco “no escanteio”, e a corrida marcou a aposentadoria definitiva de Chico Landi. E com o sucesso das 25 Horas, programaram-se diversas outras provas de longa distância com carros da Divisão 1, basicamente em Interlagos, inclusive os 500 km.

Entretanto, havia uma grande diferença entre os Porsche 908, Ferrari 512 e Alfas T33 da corrida de 1972, e os Maverick, Opalas e Dodges quase standard da prova de 1973. Não se esperava, obviamente, uma prova tão rápida, e o público não compareceu em massa em Interlagos, no dia 9 de setembro.

Apesar do pouco preparo dos carros, os Divisão 1 não foram relativamente tão vagarosos. Nos treinos a pole position foi marcada pelo Maverick da dupla Paulo Olivar Costa e Dante de Camilo, com 1m12s791s, embora haja certo questionamento sobre a veracidade do tempo, visto que nenhum dos dois pilotos reproduziu esta forma novamente

Somente 25 carros participariam da prova, sendo metade carros de grande capacidade, e a outra, carros pequenos. Entre os grandões, alinhariam Mavericks, Opalas, Dodge Charger e um solitário FNM 2150. Entre os pequenos, Corcéis, Chevettes, Brasilias, VW TL e Fuscas. Ou seja, carros de cinco fabricantes.

Os francos favoritos eram os Maverick, que haviam dado uma lavada nos Opalas nas 25 Horas. Como a corrida seria realizada no circuito externo de Interlagos, alguns acreditavam que os Dart/Charger poderiam dar trabalho aos Mavericks, e de fato, Mario Pati Junior e Aloísio Andrade Filho classificaram seus Dodges com tempos bem próximos dos Mavericks menos velozes. Somente cinco Maverick largariam, e marcaram os cinco melhores tempos, com as duplas Costa/Di Camilo, os vencedores das 25 Horas, Nilson e Bird Clemente; Luis Pereira Bueno/Tite Catapani com carro da Equipe Hollywood, Marivaldo Fernandes/Afonso Giaffone Junior e Luis Landi/Antonio Castro Prado. O melhor Opala foi novamente o carro da Brahma, desta feita pilotado por Bob Sharp e Jose Carlos Ramos, em 6° posto. Os outros Opala foram pilotados por Aurelino Machado/Fabio Crespi (9°), Luigi Giobbi/Fernando Vasconcellos da Equipe Itacolomy(11°) e Marinho Amaral/Carlos Gancia (12°). Os Dodge largariam na seguinte ordem: Pati/Adolfo Nardy (7°), Aloisio/Laércio dos Santos (8°), Oliver Jolles/César Rubinato (10°) e “Koki”/Jose Martins (12°). Edgard de Mello Filho e Jose Argentino dividiam um FNM 2150, classificando-se cinco segundos na frente do carro mais rápido da divisão menor, que foi, surpreendentemente, um Corcel, dirigido por Francis Gondim/Paulo Caetano, com a marca de 1m 26s940/1000. De fato, os Corcel aparentemente se adaptaram bem ao anel externo, pois Gondim/Caetano foram seguidos por dois outros carros da marca, Giancarlo Baldratti/Agostinho Ferrarese e Ricardo Mogames/Luis Antonio Brasolin. Estes foram seguidos de um Chevette, pilotado por Luis Evandro Águia e Stanley Ostrower, seguido do TL da Cláudio Cavallini/Ricardo mansur, a Brasilia de Elvio Divani/Pedro Wenk, três Fuscas de Saul Neves/Dario Paolozzi, Jose Luis Nogueira/Paulo Della Volpi e Jose Pangella/Cláudio Dudus. Fechavam o grid o Corcel de Euclides Mussi Junior/Anuar Riscala Adib e o Fusca de Waldemir Silva/Walter Passarella. Este último carro marcou o tempo de 1m38s903/1000, ou seja, com 26 segundos de diferença do primeiro colocado!

Na largada, Luis Pereira Bueno, tri-campeão da prova, disparou na frente, seguido de Marivaldo, Nilson Clemente e o pole De Camilo. Os Maverick foram dominando a prova desde o começo, e a suposta ameaça dos Dodges não se concretizou. De Camilo acabou abandonando na 94a. volta . tendo antes se acidentado. O “pole” foi o único Maverick a abandonar a corrida.

O carro da Equipe Dropgal Ford por pouco não perde a disputa por uma besteira nos boxes. Nilson Clemente passou com o motor já rateando, na 95a. volta, mas conseguiu dar mais uma volta e entrar nos boxes. Só que aí parou no pit errado. A equipe teve que trazer o carro para o pit certo, mas gastou-se mais tempo do que se devia, possibilitando à Equipe Hollywood tomar a liderança da prova. Assim deu-se um duelo eletrizante entre os dois ex-companheiros da equipe Willys, Luisinho e Bird.

Os dois veteranos fizeram uma excelente corrida, culminando com a volta mais rápida da prova, marcada por Luisinho, em 1m13s2/10, média de 157,721 km/h.

Entretanto, o carro da Hollywood teria que fazer uma outra parada, e teve a sua chance de perder a corrida nos boxes. A equipe esperava somente reabastecer o Maverick, mas foi necessário trocar os pneus do lado direito, que se desgastaram demais na acirrada luta entre os veteranos. Gastou-se muito tempo, e apesar das tentativas infrutíferas de Tite Catapani, e a Hollywood teve que se contentar com o segundo lugar. Em terceiro chegaram Marivaldo/Giaffone, seguidos de Luis Landi/Antonio Castro Prado. Na pista o Opala melhor colocado foi o de Giobbi/Vasconcellos, que se recusaram a submeter seu carro a vistoria, sendo assim desclassificados. A vitória entre os Chevrolet ficou com Bob Sharp/Ramos, 5o. O Dodge melhor colocado foi o de Aloísio Andrade/Laércio dos Santos, 7° colocado com 148 voltas, seguido do FNM. Na classe A, Francisco Gondim/Paulo Caetano obtiveram a vitória mais importante da história do Corcel, completando 133 voltas. Uma volta atrás, o Chevette de Águia/Ostrower, seguido de Cavallini/Mansur, com VW TL.

A morte da Mecânica Continental

 

A Mecânica Continental foi um novo nome dado à Mecânica Nacional, categoria de antigos monopostos europeus de Formula 1 com motores americanos, e am alguns casos, monopostos made in Brazil. Muitos dos carros eram bastante velhos, no começo da década de 60, de fato, alguns faziam parte da primeira leva de monopostos que visitou o Brasil nos GP da Gávea do período pré-guerra. Mas era considerada a Formula 1 brasileira, embora os carrões fossem anacrônicos em relação aos pequenos monopostos da F-1 internacional da época, com motores de 1,5 litro e disposição traseira.
Embora alguns ex carros de F-1, como Maseratis 250 F, fossem razoavelmente novos em relação a capegantes Alfas dos anos 30, e um pequeno número de carros de Formula Junior tenha se incorporado à categoria em 1962, em essência formando uma classe B (até 2 litros), a frota da Mecânica envelhecia rapidamente, e muitas das suas corridas tinham que englobar a categoria Esporte, composta de puros sangues europeus como Ferraris, Porsches e Maseratis, além dos pequenos Júnior.
 
Em 1962, o piloto Rio Negro morreu em Interlagos pilotando uma Ferrari. Nos 500 km de Interlagos de 1963, prova realizada no anel externo da pista paulistana, dois outros pilotos morreram, Dinho Bonotti nos treinos, e Celso Lara Barberis, pilotando um Landi Bianco Junior com motor JK, na prova. Barberis era um dos grandes ídolos do automobilismo brasileiro na época, e maior vencedor dos 500 km, e sua morte teve terríveis repercussões.

Pois a categoria começou a ganhar fama de extremamente perigosa. Sim, os Maserati, Alfas e Ferrari com motor Corvette eram rapidíssimos, principalmente no anel externo de São Paulo. De fato, com potentes motores americanos quase qualquer vetusto monoposto poderia ser rápido, mas havia problemas de ordem técnica. Por exemplo, a fadiga de materiais, principalmente suspensões. O aço usado na Itália não era de boa qualidade, e a grande maioria dos carros da M.C. tinha procedência italiana. Além disso, muitos desses carros foram projetados para usar motores de 2,5 litros e pouco mais de 200 HP, e não pesados motores de 5 litros e mais de 300 HP, que vibravam muito. Isso causava mais desgaste, além do que os pneus usados eram, de modo geral, impróprios para a grande potência dos carros. Some a isso o estado calamitoso do piso de Interlagos, falta de guard rails na pista, qualidade técnica questionável de alguns participantes e realmente, as corridas da Mecânica eram em tese muito perigosas.

Assim, no ano de 1964 a tradicional prova 500 km, sempre realizada no anel externo de Interlagos com carros de Mecânica Continental, foi programada para a pista completa, com carros de grupos I e III. Foram realizadas algumas provas da Mecânica Continental durante o ano, mas a questão 500 km foi tratada de forma política. As autoridades do automobilismo queriam demonstrar que algo estava sendo feito sobre a segurança nas pistas, mas por outro lado, possibilitaram às equipes de fábrica reais possibilidades de obter a vitória na corrida, pois até então, as equipes de fábrica tinham disputado a prova somente com os júnior.

Para manter a política de boa vizinhança com os pilotos da categoria, que de modo geral não corriam nos Grupos I e III, foi confirmada a prova 250 Milhas de Interlagos, uns poucos dias após a realização dos 500 km. Ávidos por uma boa disputa, a nata da categoria se inscreveu. Estavam lá Camilo Christofaro e sua bem preparada Maserati-Corvette, além de Chico Landi e Marivaldo Fernandes com um Porsche esporte, Ubaldo Cesar Lolli com Maserati Esporte, Roberto Galucci com Maserati-Corvette, Zé Peixinho ((Maserati Corvette), Luiz Valente (Alfa-Corvette), Augusto Lolli (Ferrari-Corvette), Lauro Soares (Gordini Junior), Vladimir Fakri (Maserati-Lancia), Antonio Carlos Aguiar (Ferrai-Corvette), Eduardo Celiodnio (Maserati), Nelson Marcilio e Alcides Camporesi (Alfa Corvette), Nicola Papaleo (Ferrari), Bica Votnamis (Maserati Corvette) e Ayres Bueno Vidal (Maserati-Simca).

Também inscritos o piloto Americo Cioffi (Maserati-Studebaker) e Al Capone (Maserati-Lancia).
Antes da largada, Cioffi estava muito nervoso, e cometeu o erro de tomar um calmante. O remédio obviamente diminuiu sua tensão, mas também seus reflexos. Adicione-se a isso os fatores enumerados acima, e o pior aconteceu. Cioffi capotou o seu carro na curva 3, enquanto ocupava o quarto lugar, e faleceu no ato, levando sua família ao desespero.

Pouco depois, Al Capone, cujos raios da roda traseira direita tinham caído, sofre um acidente a capota na curva 2. Foi socorrido por Ciro e Ari Cayres, e por pouco não ocorrem duas mortes no mesmo dia. O próprio vencedor Gallucci julgou que o piloto do carro 5 havia sucumbido.

Cioffi tomando o fatídico calmante. A morte do piloto contribuiu para colocar um ponto final na categoria

Quatro mortes no curto espaço de dois anos, um nível de perigo equiparável ao da Formula Indy da época! A prova John Kennedy, programada para 11 de outubro de 1964, ainda assim foi realizada em Interlagos com os carros da Mecânica Continental, mas de certa forma, estava decretada a morte da categoria. Na prova Kennedy, Antonio Carlos Aguiar quase tem um acidente idêntico ao de Cioffi, com sua Ferrari-Corvette, no mesmo lugar onde Cioffi capotou e morreu. A desgastada barra de direção quebrou, e com muita perícia o piloto evitou um acidente mais sério. Alguns Mecânica ainda participaram dos 500 km e nas 250 Milhas de 1965, mas daí até 1966, as provas da categoria foram pouquíssimas, com um número reduzido de concorrentes, pois muitos carros foram permanentemente aposentados. O golpe final foi o clima econômico incerto do período pós-revolução, com alta inflação e depois recessão, que tornou a já caríssima categoria simplesmente inviável. Assim morria a 'Formula 1 brasileira'.

MISTURA FINA: OS 500 KM DE INTERLAGOS DE 1965

 

A tradicional prova 500 km de Interlagos teve todo um gosto de novidade e, ao mesmo tempo, rito de passagem, na sua edição de 1965. Após ter sido disputada na pista completa em 1964 pela primeira vez, a prova voltaria a ser corrida no anel externo, em 1965. Tradicionalmente disputada no fim de semana de 7 de setembro, ou no próprio dia, nesse ano a prova foi realizada em 31 de outubro.

Até a edição de 1963, a corrida era disputada com carros de mecânica continental e nacional, ou seja, antigos monopostos de fórmula um equipados com motores americanos, monopostos criados no Brasil com motores americanos e carros esporte europeus “puro sangue”. Na prova de 1963, dois pilotos morreram, e os carros da mecânica continental foram escolhidos de bode expiatório. Os cartolas julgaram que os carros eram muito velhos, inseguros, e com a prova disputada no anel externo, quase um oval, a tendência era de ocorrer acidentes anualmente. Há um pouco de verdade e um pouco de mentira nisso. Certamente os carros de mecânica continental estavam caindo aos pedaços em 63. Muitos eram carros que haviam disputado as corridas da Gávea nos anos 30, e, portanto, já deveriam ter sido aposentados. Mas o carro de Celso Lara Barberis, um dos falecidos na corrida de 63, era na realidade um Fórmula Junior recém construído, portanto a tese de insegurança com base na antiguidade dos autos era fraca. Para mudar as coisas, os cartolas fizeram um 500 km totalmente diferente em 64: corrida na pista completa e nada dos Continentais.

Para 1965, as coisas voltaram a ser mais ou menos como eram: os mecânicas continental e nacional seriam admitidos na corrida. Entretanto, em dois anos o número de mecânicas-continental em condições de disputar uma prova de 500 km era muito pequeno. Se nas provas de campeonato paulista, com meras 8 voltas, o número de inscritos já era pequeno, o que se esperar de uma prova de 500 km?

Assim, 1965 foi a despedida dos mecânica continental da sua principal prova: somente três foram inscritos para a corrida: a Maserati 3 litros de Ubaldo César Lolli, a Ferrari 2000 de Domingos Papaleo e a Maserati-Corvette 4500 de Roberto Galluci (somente esta última monoposto). O bicho papão da Continental, Camilo Christófaro, não apareceu, quem sabe ainda sentido com os acontecimentos da Prova de IV Centenário do Rio de Janeiro, ou, segundo as más línguas, boicotando devido aos baixos prêmios pagos pelos organizadores.

A prova também foi a despedida dos Fórmula Júnior no Brasil: Ludovino Perez apareceu num Landi-Júnior equipado com motor Gordini, sem a mínima chance de obter boa colocação.

Esta corrida também foi a última edição dos 500 km com participação das três equipes de fábrica, Simca, Vemag e Willys. A primeira, na condição de dominadora do ano, inscreveu dois carros, um Simca Abarth para Jayme Silva, e o Protótipo Simca Tempestade, para Ciro Cayres. A corrida também acabaria sendo a despedida dos Simca Abarth no Brasil. No artigo sobre a corrida do IV Centenário, relatamos que a alfândega repentinamente se interessara pela situação das clandestinas Abarth, que deveriam ter ficado somente um ano no Brasil, e já estavam ilegais. Com uma liminar, Chico Landi, que era o chefe da Simca, conseguiu liberar a 26 para a corrida, enquanto a alfândega retinha as outras duas.

Despedida de uns, estréia de outros. O Fórmula III Willys Gávea finalmente faria a sua estréia em corridas, preparando-se para uma possível temporada de F-3 na Argentina, e quem sabe, uma temporada na Europa, guiada por Wilson Fittipaldi Jr. Curiosamente, o calendário oficial daquele ano continha diversas datas para corridas de Fórmula 3, que os cartolas pretendiam fossem disputadas com os ex-Fórmula Júnior, e quem sabe, por algum carro novo como o Gávea. No fim das contas, não houve nenhuma corrida de F-3 ou F-Júnior, e a tão aspirada F-3 sul-americana só se tornaria realidade uns 20 anos depois.

Também foi nessa corrida que o nosso primeiro campeão mundial, Emerson Fittipaldi, estreou nessa corrida, dirigindo um Interlagos. Curiosamente, correriam nessa prova quatro pilotos brasileiros que chegariam um dia à Fórmula 1: além dos irmãos Fittipaldi, também disputaram a corrida Luis Pereira Bueno e José Carlos Pace.

Colocando mais tempero na mistura, correriam três Malzoni de fábrica, com a notável ausência de Marinho, que desta feita comandava a equipe do boxe; dois Alpines da Willys, e quatro Interlagos, inclusive o do independente Waldemir Costa, comandante da Varig.

Ou seja, embora só 16 carros estivessem inscritos, havia uma bela diversidade no grid. Verdadeira salada mista. Carros de 1000 cc a 4500 cc. Ex Fórmula 1, e Fórmula Júnior. GTs europeus de última geração e alguns já antigos. Carros estreantes e veteranos.

Nos treinos, Ubaldo César Lolli mostrou toda a força da sua Maserati, obtendo o melhor tempo, acompanhado de Wilson Fittipaldi Jr. e Luis Pereira Bueno na primeira fila. Na segunda fila, três Malzoni, com Anísio Campos, Eduardo Scuracchio e Francisco Lameirão. Na terceira, Bird Clemente, José Carlos Pace e Emerson Fittipaldi. Na quarta fila, Carol Figueiredo, Roberto Gallucci e Ludovino Perez Jr.; na quinta fila, Cyro Caíres, Waldemir Costa e Jayme Silva. Na última fila, Domingos Papaleo.

Para aumentar o drama da prova, chovia naquele dia em Interlagos, fator que obviamente não favoreceria os carros mais potentes. Ainda assim, Ubaldo disparou na frente, seguido do Gávea e Luisinho. Jayme Silva largou como um foguete, e já ocupava a quarta posição na primeira volta, seguido de Anísio, Bird, Cyro, Scuracchio, Lameirão, Emerson, Carol, Waldemir, Moco, Ludovino e bem atrás, Papaleo. Na segunda volta, quem aparece em segundo é Bird Clemente, seguido de Wilson, Luisinho e Jayme. A corrida muito promete, pois na terceira volta já é Jayme quem desponta em primeiro, seguido de Lolli, Luisinho, Bird e Wilsinho. Cyro, com a sua Tempestade/Perereca, já vem colado neles, e Galucci bem atrás dos três Malzonis, com uma atuação até então apagada. Cyro já estava em quarto, na quarta volta, mas infelizmente, nem Bird, nem Cyro Caíres durariam muito na corrida. Bird abandona na sexta volta, e Cyro seis voltas depois. A fraca Ferrari de Papaleo também abandona na sétima volta.

Com quarenta minutos de corrida, o pole Ubaldo abandona a sua Maserati, enquanto ocupava a vice-liderança. Pouco a pouco, o caminho vai se abrindo para Jayme, pois agora só tinha como reais rivais Luis Pereira Bueno e Wilsinho. Entretanto, Gallucci e a sua pesada Maserati-Corvette, vão pouco a pouco se aproximando da ponta. Cabe lembrar que Gallucci fora o vencedor das duas últimas edições dos 500 km ganhas por um mecânica continental, em 1962 e 1963.

Após uma hora, Wilsinho Fittipaldi ultrapassa Jayme, e o pequeno monoposto “made in Brazil” lidera a papona Simca Abarth. Infelizmente, durou pouco o sonho, e logo Jayme Silva voltou ao primeiro lugar. Gallucci a esta altura já estava em terceiro, e certamente sonhando com a sua terceira vitória na prova, pois os três ponteiros giram com tempos muito parecidos, entre 1m17 a 1m19s.

Já chegando ao final da prova, com duas horas e meia de corrida, os três primeiros se consolidam na ponta. Wilsinho para reabastecer seu monoposto, e gasta 1m e 45 segundos, deixando Gallucci assumir o segundo posto. A grandota Maserati tinha tanques imensos, e supostamente, não teria de ser mais abastecida. Jayme parou para abastecer, e gastou 45 segundos.

Apesar de não precisar de gasolina, Gallucci acabou precisando de óleo, e acabou parando. Apesar de não ser de uma equipe de fábrica, como seus rivais, o pessoal do boxe atuou rapidamente. Aí o drama. O carro morreu. Quatro homens empurram a velha máquina, que não dá sinal de vida. Wilsinho passa. Um batalhão empurra a Maserati-Corvette, que se recusa a funcionar. Outros pilotos vão passando: Luisinho, Emerson e o comandante Costa da Varig. Finalmente a Maser pegou, mas já era tarde. Gallucci acabou ficando com o sexto lugar, num emocionante, mas melancólico fim da atuação dos mecânica continental nos 500 km de Interlagos.

15 Minutos de fama da Brasinca em Interlagos

15 MINUTOS DE FAMA BRASINCA E LORENA

Segundo vimos em outros artigos, o automobilismo brasileiro da primeira metade dos anos 60 era dominado pelas equipes de fábrica da Willys, Simca e DKW. Salvo pelas corridas de carreteras, mecânica continental e Fórmula Júnior, as provas geralmente acabavam sendo ganhas pelos carros das três fábricas, ou por particulares correndo com produtos das três. O JK era o carro brasileiro mais potente da época, mas apesar de um início auspicioso nas corridas, foi pouco usado a partir de 1963.

De vez em quando, aparecia alguém com algum carro estrangeiro ou com algum protótipo ou híbrido, com o propósito de bater os carros das fábricas, por exemplo as Alfas da Jolly e os Karmann-Ghia Porsche. A história do Brasinca é inusitada, pois na realidade era um carro fabricado no Brasil, e ainda por cima, completamente fora dos moldes da época.

Para começar, o Brasinca era equipado com um motor Chevrolet de 4,2 litros, que era o mesmo motor usado pela GM nas suas pick-ups e peruas, projetado nos anos 30 (Foi o primeiro carro brasileiro fabricado com motor Chevrolet). Ou seja, era de longe o carro brasileiro de maior cilindrada até aparecer o Galáxie em 1967, acabando por ser também o mais potente na época. De estilo arrojado para a época, o carro criado por Rigoberto Soler era peculiar pela sua largura, necessária para encaixar o motorzão dianteiro. (Dizem as más línguas que acabou sendo copiado pela fábrica inglesa Jensen, cujo Interceptor lembra muito o peculiar GT brasileiro – realmente se parecem muito). E com a partida dos Simca-Abarth para a Europa, de repente o Brasinca se tornava um grande candidato para as pistas. Praticamente standard, o carro estreou em uma corrida em Curitiba, liderando a Equipe Simca até quebrar. Os pilotos escolhidos para a empreitada foram um ex-piloto da Simca, de 22 anos, o piracicabano Walter Hahn, e Expedito Marazzi, que mais tarde viria a ser proprietário de uma famosa escola de pilotagem em Interlagos, além de ser editor da Auto Esporte.

1966 foi um ano de transição no automobilismo brasileiro. Foi o ano do fechamento das equipes Simca e Vemag, do enfraquecimento da Willys e do fortalecimento da Dacon e da Jolly. E foi justo contra esta última que o Brasinca batalhou com mais frequência, em Interlagos.

O último domingo de março de 1966 seria um dia de corridas em Interlagos. Nada muito sério, as provas nem valeriam para o campeonato paulista. Ainda assim, a Brasinca encarou a corrida com a maior seriedade possível, e o objetivo era bater a Alfa Giulia de Piero Gancia e a Alfa Zagato do jovem Emerson Fittipaldi. Dois carros de concepção bem diferente, cabe lembrar. As estrangeiras Alfas tinham um terço da cilindrada do Brasinca, eram mais leves e ágeis. O brasileiro Brasinca mais potente, porém quase standard.

A corrida tinha gosto de revanche. Em fevereiro Hahn e Emilio Zambello haviam batalhado em Interlagos, em corrida válida para o campeonato paulista, e apesar de não ter feito má figura, os pneus do Brasinca não aguentaram e a Alfa Giulia acabou vencendo o GTzão brazuca.



Chovia naquele domingo, e a batalha se iniciou. Nas primeiras voltas o Brasinca andou atrás da Zagato de Emerson, com Gancia atrás. Só que ocorreu o oposto da corrida de fevereiro. Desta vez as duas Alfas quebraram e Walter Hahn acabou ganhando a corrida com a média de 112,5 km/h, chegando a rodar em 4m04s, bom tempo para chuva. Em segundo acabou chegando um Interlagos, com Helio Mazza.

Foi dia de festa em Interlagos, para Rigoberto Soler e para Walter Hahn. Animados, voltaram para Interlagos algumas semanas depois, e em prova válida para o campeonato paulista, mas o GT foi batido por Gancia novamente. Apesar dos pesares, Hahn acabou campeão paulista na divisão GT, em 1966, animando a Brasinca a desenvolver uma versão 4200 GT S, com taxa de compressão 8:1. comando de válvulas preparado e três carburadores Weber SJOE, que elevavam a potência do fora de série para 171 CV, a 4.800 rpm, para as corridas de longa duração. Infelizmente, a produção do Brasinca era muito cara, e comercialmente inviável para a época. Ao todo, foram montados 76 Brasincas, sendo que no final de 1966 a empresa, tradicional fabricante de auto-peças e carrocerias, desistiu do projeto. Este retomou o nome original, Uirapuru, em 1967, com outros investidores, entre os quais, Soler e Hahn. Não vingou, o que significou também o fim do Uirapuru nas pistas.