Tuesday, February 26, 2013

MISTURA FINA: OS 500 KM DE INTERLAGOS DE 1965

 

A tradicional prova 500 km de Interlagos teve todo um gosto de novidade e, ao mesmo tempo, rito de passagem, na sua edição de 1965. Após ter sido disputada na pista completa em 1964 pela primeira vez, a prova voltaria a ser corrida no anel externo, em 1965. Tradicionalmente disputada no fim de semana de 7 de setembro, ou no próprio dia, nesse ano a prova foi realizada em 31 de outubro.

Até a edição de 1963, a corrida era disputada com carros de mecânica continental e nacional, ou seja, antigos monopostos de fórmula um equipados com motores americanos, monopostos criados no Brasil com motores americanos e carros esporte europeus “puro sangue”. Na prova de 1963, dois pilotos morreram, e os carros da mecânica continental foram escolhidos de bode expiatório. Os cartolas julgaram que os carros eram muito velhos, inseguros, e com a prova disputada no anel externo, quase um oval, a tendência era de ocorrer acidentes anualmente. Há um pouco de verdade e um pouco de mentira nisso. Certamente os carros de mecânica continental estavam caindo aos pedaços em 63. Muitos eram carros que haviam disputado as corridas da Gávea nos anos 30, e, portanto, já deveriam ter sido aposentados. Mas o carro de Celso Lara Barberis, um dos falecidos na corrida de 63, era na realidade um Fórmula Junior recém construído, portanto a tese de insegurança com base na antiguidade dos autos era fraca. Para mudar as coisas, os cartolas fizeram um 500 km totalmente diferente em 64: corrida na pista completa e nada dos Continentais.

Para 1965, as coisas voltaram a ser mais ou menos como eram: os mecânicas continental e nacional seriam admitidos na corrida. Entretanto, em dois anos o número de mecânicas-continental em condições de disputar uma prova de 500 km era muito pequeno. Se nas provas de campeonato paulista, com meras 8 voltas, o número de inscritos já era pequeno, o que se esperar de uma prova de 500 km?

Assim, 1965 foi a despedida dos mecânica continental da sua principal prova: somente três foram inscritos para a corrida: a Maserati 3 litros de Ubaldo César Lolli, a Ferrari 2000 de Domingos Papaleo e a Maserati-Corvette 4500 de Roberto Galluci (somente esta última monoposto). O bicho papão da Continental, Camilo Christófaro, não apareceu, quem sabe ainda sentido com os acontecimentos da Prova de IV Centenário do Rio de Janeiro, ou, segundo as más línguas, boicotando devido aos baixos prêmios pagos pelos organizadores.

A prova também foi a despedida dos Fórmula Júnior no Brasil: Ludovino Perez apareceu num Landi-Júnior equipado com motor Gordini, sem a mínima chance de obter boa colocação.

Esta corrida também foi a última edição dos 500 km com participação das três equipes de fábrica, Simca, Vemag e Willys. A primeira, na condição de dominadora do ano, inscreveu dois carros, um Simca Abarth para Jayme Silva, e o Protótipo Simca Tempestade, para Ciro Cayres. A corrida também acabaria sendo a despedida dos Simca Abarth no Brasil. No artigo sobre a corrida do IV Centenário, relatamos que a alfândega repentinamente se interessara pela situação das clandestinas Abarth, que deveriam ter ficado somente um ano no Brasil, e já estavam ilegais. Com uma liminar, Chico Landi, que era o chefe da Simca, conseguiu liberar a 26 para a corrida, enquanto a alfândega retinha as outras duas.

Despedida de uns, estréia de outros. O Fórmula III Willys Gávea finalmente faria a sua estréia em corridas, preparando-se para uma possível temporada de F-3 na Argentina, e quem sabe, uma temporada na Europa, guiada por Wilson Fittipaldi Jr. Curiosamente, o calendário oficial daquele ano continha diversas datas para corridas de Fórmula 3, que os cartolas pretendiam fossem disputadas com os ex-Fórmula Júnior, e quem sabe, por algum carro novo como o Gávea. No fim das contas, não houve nenhuma corrida de F-3 ou F-Júnior, e a tão aspirada F-3 sul-americana só se tornaria realidade uns 20 anos depois.

Também foi nessa corrida que o nosso primeiro campeão mundial, Emerson Fittipaldi, estreou nessa corrida, dirigindo um Interlagos. Curiosamente, correriam nessa prova quatro pilotos brasileiros que chegariam um dia à Fórmula 1: além dos irmãos Fittipaldi, também disputaram a corrida Luis Pereira Bueno e José Carlos Pace.

Colocando mais tempero na mistura, correriam três Malzoni de fábrica, com a notável ausência de Marinho, que desta feita comandava a equipe do boxe; dois Alpines da Willys, e quatro Interlagos, inclusive o do independente Waldemir Costa, comandante da Varig.

Ou seja, embora só 16 carros estivessem inscritos, havia uma bela diversidade no grid. Verdadeira salada mista. Carros de 1000 cc a 4500 cc. Ex Fórmula 1, e Fórmula Júnior. GTs europeus de última geração e alguns já antigos. Carros estreantes e veteranos.

Nos treinos, Ubaldo César Lolli mostrou toda a força da sua Maserati, obtendo o melhor tempo, acompanhado de Wilson Fittipaldi Jr. e Luis Pereira Bueno na primeira fila. Na segunda fila, três Malzoni, com Anísio Campos, Eduardo Scuracchio e Francisco Lameirão. Na terceira, Bird Clemente, José Carlos Pace e Emerson Fittipaldi. Na quarta fila, Carol Figueiredo, Roberto Gallucci e Ludovino Perez Jr.; na quinta fila, Cyro Caíres, Waldemir Costa e Jayme Silva. Na última fila, Domingos Papaleo.

Para aumentar o drama da prova, chovia naquele dia em Interlagos, fator que obviamente não favoreceria os carros mais potentes. Ainda assim, Ubaldo disparou na frente, seguido do Gávea e Luisinho. Jayme Silva largou como um foguete, e já ocupava a quarta posição na primeira volta, seguido de Anísio, Bird, Cyro, Scuracchio, Lameirão, Emerson, Carol, Waldemir, Moco, Ludovino e bem atrás, Papaleo. Na segunda volta, quem aparece em segundo é Bird Clemente, seguido de Wilson, Luisinho e Jayme. A corrida muito promete, pois na terceira volta já é Jayme quem desponta em primeiro, seguido de Lolli, Luisinho, Bird e Wilsinho. Cyro, com a sua Tempestade/Perereca, já vem colado neles, e Galucci bem atrás dos três Malzonis, com uma atuação até então apagada. Cyro já estava em quarto, na quarta volta, mas infelizmente, nem Bird, nem Cyro Caíres durariam muito na corrida. Bird abandona na sexta volta, e Cyro seis voltas depois. A fraca Ferrari de Papaleo também abandona na sétima volta.

Com quarenta minutos de corrida, o pole Ubaldo abandona a sua Maserati, enquanto ocupava a vice-liderança. Pouco a pouco, o caminho vai se abrindo para Jayme, pois agora só tinha como reais rivais Luis Pereira Bueno e Wilsinho. Entretanto, Gallucci e a sua pesada Maserati-Corvette, vão pouco a pouco se aproximando da ponta. Cabe lembrar que Gallucci fora o vencedor das duas últimas edições dos 500 km ganhas por um mecânica continental, em 1962 e 1963.

Após uma hora, Wilsinho Fittipaldi ultrapassa Jayme, e o pequeno monoposto “made in Brazil” lidera a papona Simca Abarth. Infelizmente, durou pouco o sonho, e logo Jayme Silva voltou ao primeiro lugar. Gallucci a esta altura já estava em terceiro, e certamente sonhando com a sua terceira vitória na prova, pois os três ponteiros giram com tempos muito parecidos, entre 1m17 a 1m19s.

Já chegando ao final da prova, com duas horas e meia de corrida, os três primeiros se consolidam na ponta. Wilsinho para reabastecer seu monoposto, e gasta 1m e 45 segundos, deixando Gallucci assumir o segundo posto. A grandota Maserati tinha tanques imensos, e supostamente, não teria de ser mais abastecida. Jayme parou para abastecer, e gastou 45 segundos.

Apesar de não precisar de gasolina, Gallucci acabou precisando de óleo, e acabou parando. Apesar de não ser de uma equipe de fábrica, como seus rivais, o pessoal do boxe atuou rapidamente. Aí o drama. O carro morreu. Quatro homens empurram a velha máquina, que não dá sinal de vida. Wilsinho passa. Um batalhão empurra a Maserati-Corvette, que se recusa a funcionar. Outros pilotos vão passando: Luisinho, Emerson e o comandante Costa da Varig. Finalmente a Maser pegou, mas já era tarde. Gallucci acabou ficando com o sexto lugar, num emocionante, mas melancólico fim da atuação dos mecânica continental nos 500 km de Interlagos.

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