Tuesday, February 26, 2013

A morte da Mecânica Continental

 

A Mecânica Continental foi um novo nome dado à Mecânica Nacional, categoria de antigos monopostos europeus de Formula 1 com motores americanos, e am alguns casos, monopostos made in Brazil. Muitos dos carros eram bastante velhos, no começo da década de 60, de fato, alguns faziam parte da primeira leva de monopostos que visitou o Brasil nos GP da Gávea do período pré-guerra. Mas era considerada a Formula 1 brasileira, embora os carrões fossem anacrônicos em relação aos pequenos monopostos da F-1 internacional da época, com motores de 1,5 litro e disposição traseira.
Embora alguns ex carros de F-1, como Maseratis 250 F, fossem razoavelmente novos em relação a capegantes Alfas dos anos 30, e um pequeno número de carros de Formula Junior tenha se incorporado à categoria em 1962, em essência formando uma classe B (até 2 litros), a frota da Mecânica envelhecia rapidamente, e muitas das suas corridas tinham que englobar a categoria Esporte, composta de puros sangues europeus como Ferraris, Porsches e Maseratis, além dos pequenos Júnior.
 
Em 1962, o piloto Rio Negro morreu em Interlagos pilotando uma Ferrari. Nos 500 km de Interlagos de 1963, prova realizada no anel externo da pista paulistana, dois outros pilotos morreram, Dinho Bonotti nos treinos, e Celso Lara Barberis, pilotando um Landi Bianco Junior com motor JK, na prova. Barberis era um dos grandes ídolos do automobilismo brasileiro na época, e maior vencedor dos 500 km, e sua morte teve terríveis repercussões.

Pois a categoria começou a ganhar fama de extremamente perigosa. Sim, os Maserati, Alfas e Ferrari com motor Corvette eram rapidíssimos, principalmente no anel externo de São Paulo. De fato, com potentes motores americanos quase qualquer vetusto monoposto poderia ser rápido, mas havia problemas de ordem técnica. Por exemplo, a fadiga de materiais, principalmente suspensões. O aço usado na Itália não era de boa qualidade, e a grande maioria dos carros da M.C. tinha procedência italiana. Além disso, muitos desses carros foram projetados para usar motores de 2,5 litros e pouco mais de 200 HP, e não pesados motores de 5 litros e mais de 300 HP, que vibravam muito. Isso causava mais desgaste, além do que os pneus usados eram, de modo geral, impróprios para a grande potência dos carros. Some a isso o estado calamitoso do piso de Interlagos, falta de guard rails na pista, qualidade técnica questionável de alguns participantes e realmente, as corridas da Mecânica eram em tese muito perigosas.

Assim, no ano de 1964 a tradicional prova 500 km, sempre realizada no anel externo de Interlagos com carros de Mecânica Continental, foi programada para a pista completa, com carros de grupos I e III. Foram realizadas algumas provas da Mecânica Continental durante o ano, mas a questão 500 km foi tratada de forma política. As autoridades do automobilismo queriam demonstrar que algo estava sendo feito sobre a segurança nas pistas, mas por outro lado, possibilitaram às equipes de fábrica reais possibilidades de obter a vitória na corrida, pois até então, as equipes de fábrica tinham disputado a prova somente com os júnior.

Para manter a política de boa vizinhança com os pilotos da categoria, que de modo geral não corriam nos Grupos I e III, foi confirmada a prova 250 Milhas de Interlagos, uns poucos dias após a realização dos 500 km. Ávidos por uma boa disputa, a nata da categoria se inscreveu. Estavam lá Camilo Christofaro e sua bem preparada Maserati-Corvette, além de Chico Landi e Marivaldo Fernandes com um Porsche esporte, Ubaldo Cesar Lolli com Maserati Esporte, Roberto Galucci com Maserati-Corvette, Zé Peixinho ((Maserati Corvette), Luiz Valente (Alfa-Corvette), Augusto Lolli (Ferrari-Corvette), Lauro Soares (Gordini Junior), Vladimir Fakri (Maserati-Lancia), Antonio Carlos Aguiar (Ferrai-Corvette), Eduardo Celiodnio (Maserati), Nelson Marcilio e Alcides Camporesi (Alfa Corvette), Nicola Papaleo (Ferrari), Bica Votnamis (Maserati Corvette) e Ayres Bueno Vidal (Maserati-Simca).

Também inscritos o piloto Americo Cioffi (Maserati-Studebaker) e Al Capone (Maserati-Lancia).
Antes da largada, Cioffi estava muito nervoso, e cometeu o erro de tomar um calmante. O remédio obviamente diminuiu sua tensão, mas também seus reflexos. Adicione-se a isso os fatores enumerados acima, e o pior aconteceu. Cioffi capotou o seu carro na curva 3, enquanto ocupava o quarto lugar, e faleceu no ato, levando sua família ao desespero.

Pouco depois, Al Capone, cujos raios da roda traseira direita tinham caído, sofre um acidente a capota na curva 2. Foi socorrido por Ciro e Ari Cayres, e por pouco não ocorrem duas mortes no mesmo dia. O próprio vencedor Gallucci julgou que o piloto do carro 5 havia sucumbido.

Cioffi tomando o fatídico calmante. A morte do piloto contribuiu para colocar um ponto final na categoria

Quatro mortes no curto espaço de dois anos, um nível de perigo equiparável ao da Formula Indy da época! A prova John Kennedy, programada para 11 de outubro de 1964, ainda assim foi realizada em Interlagos com os carros da Mecânica Continental, mas de certa forma, estava decretada a morte da categoria. Na prova Kennedy, Antonio Carlos Aguiar quase tem um acidente idêntico ao de Cioffi, com sua Ferrari-Corvette, no mesmo lugar onde Cioffi capotou e morreu. A desgastada barra de direção quebrou, e com muita perícia o piloto evitou um acidente mais sério. Alguns Mecânica ainda participaram dos 500 km e nas 250 Milhas de 1965, mas daí até 1966, as provas da categoria foram pouquíssimas, com um número reduzido de concorrentes, pois muitos carros foram permanentemente aposentados. O golpe final foi o clima econômico incerto do período pós-revolução, com alta inflação e depois recessão, que tornou a já caríssima categoria simplesmente inviável. Assim morria a 'Formula 1 brasileira'.

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