Tuesday, March 5, 2013

REABERTURA DE INTERLAGOS - TORNEIO BUA DE 1970

 

Muita coisa se passou entre o final de 1967 e começo de 1970, no Brasil e no mundo. No Brasil, as esperanças de que o país voltasse à democracia mesmo num médio prazo se foram com a assinatura do AI-5. O mundo estava em ebulição. Estudantes, acostumados a somente estudar e calar o bico, se revoltaram no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Os inócuos Chico Buarque de “A Banda” e Caetano Veloso, de “Alegria, Alegria” foram vistos como perigosos inimigos do regime e amargavam exílio. O final da Guerra do Vietnã parecia impossível, a luta armada se estabelecera no País, cuja economia dava sinais de recuperação. A revolução dos costumes deste curto período deu início à grande crise mundial das drogas, cujo grande resultado foi a violência urbana que hoje aflige o Brasil.

Durante este período o autódromo de Interlagos, o primeiro do país, hibernou um sono profundo. Fechado após a realização das Mil Milhas de 1967, a pista ficou de ser liberada algumas vezes, mas num país que parecia estar todo em reformas, a transformação de uma pista de corridas não era prioritária. São Paulo da época parecia um parque de obras - Minhocão, metrô, 23 de maio. E já se falava num Rodoanel! Bem, já se falava em colocar a capital brasileira no planalto central na presidência de Deodoro da Fonseca - as coisas demoravam para acontecer no Brasil...

As Mil Milhas de 1967 foram importantes por uma série de razões, já cobertas num artigo anterior. Mas em retrospectiva de 1970, muita coisa mudara no automobilismo local. Aquela Mil Milhas foi a única ganha por uma das equipes de fábrica que dominaram o automobilismo dos anos 60 (eu considero a FNM uma equipe semi-oficial), e em 1970 a última equipe de fábrica, a Ford-Willys, já tinha ido para o beleléu, em 1968. Em compensação, as muitas carreteras, Gordinis e DKWs de 1967 deram caminho a carros de corrida de última geração, como a Lola T70, Ford GT40, Alfa P33, bem preparados protótipos de concepção moderna, como o AC e até mesmo Fuscas mais bem preparados do que dois anos antes.

O mais importante de tudo, entretanto, é que a falta de Interlagos forçou nossos pilotos mais ambiciosos a buscar carreira no exterior, a partir de 1968. E de fato, dois deles, Emerson Fittipaldi e Luis Pereira Bueno, obtiveram muitas vitórias em 1969, tendo Emerson se tornado campeão de F3 na Inglaterra, e considerado grande promessa para o futuro. Ao passo que em 1967 brasileiros eram ilustres desconhecidos na Europa, em 1970, gente importante do meio como Colin Chapman e Stirling Moss já reconhecia o talento dos brasileiros.

Embora a pista tenha sido fechada em 1967 com a principal prova do país, com pequeno gosto internacional devido a presença de alguns pilotos portugueses, a reabertura do autódromo estava programada com a final do primeiro torneio brasileiro de monopostos a ser realizado no Brasil. Os Torneios Sul-Americanos dos anos 50 e 60 eram meros affairs regionais, ao passo que o Torneio BUA contou com pilotos de diversas nacionalidades - ingleses, australianos, dinamarqueses, holandeses.

O povo paulista sentia falta das corridas, e Interlagos estava cheio naquela final do Torneio, que já tivera duas etapas no Rio, uma em Curitiba e outra em Fortaleza. De fato, tão cheio quanto em alguns futuros GPs de F-1. E Interlagos viu, naquele dia, possivelmente a melhor corrida de monopostos da sua história até então.

Diversos brasileiros estavam inscritos na corrida. Além do favorito Emerson e seu irmão Wilson, estariam presentes Franciso Lameirão, que fazia sua única corrida no torneio, em um dos carros da equipe Renner Tergal, Pedro Victor de Lamare, Norman Casari, Milton Amal, José Moraes Neto, Luiz Pereira Bueno, Marivaldo Fernandes. De fato, nos treinos os brasileiros estavam muito bem. Só um estrangeiro, Ray Allen, conseguiu estar entre os sete primeiros tempos. Emerson fez a pole em 3m13.2, seguido de Ray Allen, 3m13.7, Wilsinho 3m13.8, Luizinho 3m15.7, Marivaldo 3m17.0, Lameirão 3m17.2, Casari 3m19.2, Ian Ashley 3m19.5, Peter Hull 3m20.2, Ed Patrick 3m21.1, Reg James 3m21.5, Tom Walkinshaw 3m21.8, Tom Belso 3m21.9, Vern Schuppan 3m22.0, Tom Lanfranchi 3m22.8, Clive Santo 3m35.4, Max Fletcher 3m26.0, Milton Amaral 3m27.0, de Lamare 3m32.0, a bonitona Liane Engemann 3m32.5 e José Moraes Neto 3m32.6.

A corrida teve duas baterias com muitas ultrapassagens e emoção. Os estrangeiros melhoraram um pouco sua performance em relação aos treinos, e Allen, Ashley e Hull batalharam pelas primeiras posições. Peter Hull e Reg James chegam a fazer a curva da Ferradura com rodas encaixadas na primeira bateria!! Emerson controlou na ponta, e chegou 5.8 segundos na frente do seu irmão, seguido de Allen, Luizinho, Ashley, Lameirão, Hull, Belso, Clive e os outros. A melhor volta ficou com o inglês Ray Allen, em 3m13.0, melhor que a pole de Emerson.

Na segunda bateria Ashley conseguiu pular da segunda fila para a ponta, seguido de Emerson, Wilsinho e Luizinho. Entretanto Emerson conseguiu ultrapassar o inglês e terminar a primeira volta na ponta. Mas a luta entre os dois Fittipaldi e Ashley é intensa, e cada hora um lidera, trocando posições diversas vezes. Lameirão, apesar de estreante, impressiona bastante a certa altura ocupando a quarta posição ao ultrapassar Allen. No meio da bateria Emerson e Ashley se firmam na ponta, distanciando-se de Wilson. Na quinta volta Ashley consegue ultrapassar Emerson, mas o brasileiro conseguiu ultrapassar o inglês no retão, gerando forte reação do público, que fica de pé. Ashley conseguiu ultrapassar Emerson mais uma vez na sétima volta, mas este era o dia de Emerson, para selar o sucesso obtido nas quatro etapas anteriores. O resultado final da bateria foi Emerson, Ashley, Wilsinho, Allen, Lameirão, que andou sempre entre os primeiros, Hull, Belson, Schuppan, Santo, Fletcher, Walkinshaw, Luizinho, Pedro Victor e Engemann. Emerson também marcou a melhor volta, 3m11.5, novo recorde de Interlagos.

A programação também contou com provas de motocicletas e da risível Formula Brasil, além do patrocínio da empresa aérea inglesa BUA, essencial para transportar os carros a um custo baixo, e do Canal 5, que assim iniciava seu caso de amor com o automobilismo. Com o novo Interlagos iniciava-se uma nova fase do automobilismo nacional, embora o próprio ano de 1970 ainda demonstrasse certos cânceres que ainda corroíam nosso automobilismo doméstico, nas pistas e nos bastidores. Estava lançada a sorte, o Brasil se inseria de vez no contexto internacional, em termos de eventos e autódromo. E não saiu mais desse contexto.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami 

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